Ainda estamos no inverno, mas já aguardo o fim desta estação gelada (ao menos aqui na região metropolitana de Curitiba) para o início dos trabalhos da primavera e em todas as plantas que preciso transplantar. Neste meio tempo resolvi revisar meus conhecimentos sobre transplante, para ir além do óbvio.
Este post é baseado em grande parte na matéria do Graham Potter no seu site Kaizen Bonsai (
http://www.kaizenbonsai.com/shop/repotting_guide.php) com algumas adequações ao que julgo adequado à nossa realidade e disponibilidades. Também foram utilizados diversos posts no fórum do atelier do bonsai (
http://www.atelierdobonsai.com.br/forum/,
http://www.atelierdobonsai.com.br/forum/viewtopic.php?t=22285&sid=21c59b0dcb4af2caf7db1697db8c3639), assim como imagens do blog do Capital Bonsai (
http://capitalbonsai.wordpress.com/2012/03/14/repotting-a-kokufu-kaede/), que tem matérias sobre a coleção de bonsais do National Bonsai & Penjing Museum em Washington DC (
http://www.bonsai-nbf.org/) e do site Bonsai Tonight (
http://bonsaitonight.com/2009/12/08/repotting-a-trident-maple-removing-the-tree-from-the-pot/).
Por que transplantar?
O bonsai é uma árvore como qualquer outra, mas cultivada em um pequeno pote/vaso. Como qualquer árvore (em geral) continua a crescer: folhas, galhos, tronco e raízes estão em continuo desenvolvevimento. Assim à medida que o tempo vai passando vai continuar crescendo até o momento em que o vaso vai ficar lotado de raízes e sem espaço para que continue a crescer.
Em um raciocínio simples poderia se imaginar que para que o bonsai isto até seria bom para manter o seu tamanho diminuto, pois não teria mais como a planta crescer. Mas não funciona assim. Manter a planta mesta situação a debilitaria gradualmente até a morte. A planta precisa continuar a crescer, é inevitável, e vamos adequando o seu tamanho através de podas.
As raízes capilares, que ficam nas pontas do conjunto de raízes, são as grandes responsáveis pela captação de água e nutrientes do solo. Elas estão constantemente em renovação, pois a medida que estas raízes vão envelhecendo e engrossando acabam lignificando e perdendo a função de captação para a de sustentação. Sem espaço no vaso esta renovação fica prejudicada e a planta passa ter dificuldades de absorção de água e nutrientes para a sua sobrevivência. O crescimento das raízes também reduz os espaços dentro do substrato, reduzindo a entrada e presença de oxigênio.
Com baixa absorção de nutrientes, água e oxigênio a planta terá dificuldades para metabolizar os nutrientes necessários ao seu constante desenvolvimento e manutenção, estagnando seu crescimento e até chegando a morrer.
Em outro raciocínio simples seria adequado então transplantar para um vaso maior para que as raízes possam continuar a crescer, mas não seria o correto. Bonsai é o conjunto planta e vaso, utilizar vasos maiores retiraria a proporção deste conjunto.
O que é transplantar?
Transplantar é a ação de retirar a planta do vaso, podar as raízes e trocar o substrato velho. O transplante é um processo de readequar a planta ao mesmo vaso (ou semelhante).
O processo de poda das raízes consiste em reduzir o volume das longas raízes já lignificadas para permitir que a planta possa reiniciar o processo de constante crescimento das raízes, com uma nova cadeia de aborção de água, nutrientes e oxigênio. Com este processo permite-se a manutenção da saúde da planta, permitindo o crescimento e renovação da planta.
A troca do substrato antigo pelo novo tem a função de renovação do solo permitindo à planta voltar a crescer suas raízes. O solo com o tempo fica compactado pelas constantes regas e crescimento das raízes e também tende a acidificar devido à adubação. Nada como um novo solo fresco para o despertar da primavera.
Quando transplantar?
A resposta é simples: sempre que o solo se tornar duro e compacto. Para saber quando isto ocorrer requer um pouco de prática e muita observação e a sua ocorrência depende de vários fatores. O solo se tornará mais rapidamente compacto em pequenos vasos, com espécies de crescimento rápido, se o substrato tiver mais material orgânico e/ou compactável. Quando compactado a água terá dificuldades para penetrar o solo, as raízes começaram a aparecer nos buracos de drenagem no fundo do vaso, a planta diminuirá seu ritmo de crescimento. A observação é mais importante que o calendário. Os indícios possíveis abaixo já são sintomas de que já deveria ter sido feito o transplante:
- Taxa de crescimento menor em relação a anos anteriores.
- Dificuldade de umedecer o solo
- Redução da absorção de água no verão
- Redução rápida do tamanho das folhas
- Queda das folhas muito no inicio do outono
- Amarelamento das folhas
- Redução do brilho das folhas
- Morte dos galhos finos no inverno
- Formação de algas e líquens na superfície do solo
- As raízes começam a "subir" no pote
- Redução do tempo de vida das folhas, descolorando e caindo após algumas semanas no verão
No entanto, não se deve aguardar estes sintomas para fazer o transplante e os observando é recomendado o transplante imediato.
Não existe um período padrão para o transplante, pois depende das características da árvore e do vaso. Árvores de crescimento rápido, como ulmus, ficus e ligustro, se plantadas em pequenos vasos vão precisar de transplantes anuais, enquanto pinheiros e juníperos mais velhos podem ficar bem mais tempo sem transplantar. Eu uso como regra geral para a maioria das minhas árvores o período máximo de dois anos, sempre observando se o prazo pode ser dilatado ou deve ser reduzido.
Em que época devo transplantar?
A regra geral aplicável a grande maioria das plantas é o início da primavera. Mas veja, não é a primavera do calendário, 23 de setembro, e sim a "primavera das plantas". Ou seja, quando a vida retorna às plantas. Quando as plantas voltam a soltar o brotos, quando ainda tenros começam a desabrochar. O transplante muito cedo pode prejudicar a taxa de crescimento e aumentar o tempo de recuperação da planta. Porém esta é uma realidade para regiões do Brasil que possuem estações do ano bem definidas, como parte do sudeste e região sul.
A exceção a esta regra são as espécies tropicais como a fícus, que devem ser transplantada no alto verão. Já vi citações que a primavera (bougainvillea) também deve ser transplantada nesta época, mas é uma espécie que não tenho experiência. Já com relação ao pinheiros negro e vermelho, que são as espécies de pínus cultivadas no Brasil, a recomendação é ao final do inverno, pouco antes da primavera.
Outras exceções possíveis são as plantas frutíferas, que podem ser transplantadas no outono, após a frutificação, porém com cuidados redobrados. As plantas que produzem flores podem ser transplantas após a florescência, assim que as primeiras flores começarem a definhar, removendo então todas a flores abertas ou ainda que estejam para abrir.
Após o transplante eu mantenho as árvores por uns 30 dias na estufa à meia-sombra para garantir que não peguem nenhuma friagem fora de época e para garantir uma recuperação melhor, mas é uma condição para a região sul, que tem períodos de frio ainda me setembro. As coníferas ficam em uma área da estufa que pegam sol em uma parte do dia. Já os pinheiros, conforme orientação do mestre Hidaka, devem ir a pleno sol após o transplante, mas protegendo do frio da noite
Na verdade com experiência e cuidados posteriores, em casos emergenciais quase qualquer planta pode ser transplanta em qualquer época do ano.
Substrato - um tópico à parte.
A questão do solo a ser utilizado no vaso envolve muita discussão e honestamente, não vou me aprofundar, uma vez que sempre dá muito pano para manga. Eu vou colocar o que penso, o que aprendi e o que eu uso.
Uma vez escutei uma frase na loja O Bonsai (http://www.obonsai.com.br) que é a mais pura verdade: "O substrato não pode ser bom apenas para a planta, mas para você também", ou seja, não pode se usar um substrato 100% inorgânico se você não tem experiência em cuidados e adubação e nem tempo para fazer duas ou três regas por dia. Com o tempo e com a experiência encontra-se o substrato que vai bem para as plantas e para você.
O substrato preferencialmente precisa ter:
- boa aeração para que o oxigênio possa penetrar e as raízes possas crescer
- boa drenagem e ao mesmo tempo reter umidade
- ter baixa compactação com o passar do tempo e com as regas
- ter dimensões entre 2 e 5 mm
Os materiais mais utilizados e disponíveis aqui no Brasil:
Inorgânicos
- Caqueira (tijolo/telha moido)
- Areia grossa de rio
- Pedrisco
- Argila expandida
- Akadama
- Akadama Nacional (Qualytá Bonsai Substrat)
Orgânicos
- Terra de cupinzeiro
- Terra
- Condicionador de solo
- Carvão
- Casca de Pínus
- Esfagno
- Turfa
- etc.
A fórmula que eu uso é aproximadamente o seguinte
Coníferas
30% Pedrisco
10% Areia grossa de rio
30% Caqueira
20% Terra granulada (de barranco ou buraco)
10% Terra de cupinzeiro
um tanto de Carvão (2%)
Azaleia
20% Pedrisco
20% Caqueira
30% Turfa ou condicionador de solo
30% Casca de Pinus
Demais
20% Pedrisco
10% Areia grossa de rio
30% Caqueira
20% Terra granulada (de barranco ou buraco)
20% Terra de cupinzeiro
Como transplantar?
Antes de iniciar o transplante os recomenda-se:
- Não haver regado a planta no dia e/ou no dia anterior regar com pouca água, pois trabalhar com o solo seco é muito melhor que trabalhar com barro;
- Tenha em mãos o substrato já preparado e em quantidade necessária para o transplante. (figura 2)
- Tenha em mãos a tela para cobrir os buracos de drenagem e arame de alumínio para amarrar a planta ao vaso.
- Tenha em mãos as seguintes ferramentas necessárias: alicate, alicate de corte, uma tesoura afiada, hashi (palitinhos para comida asiática, chopsticks) ou equivalente. Ferramentas desejáveis: um pequeno rastelo, um gancho (figura 2).
É recomendado que o processo de transplante seja feito em ambiente fechado, à sombra e sem vento, pois as raízes são um tanto quanto sensíveis.
O processo de transplante segue os seguintes passos:
1) Retirar a árvore do vaso
Começar cortando os arames que prendem a árvore ao vaso.
Então com uma faca ou uma ferramenta específica passar ao redor de todo o vaso "descolando" o substrato. Isso é necessário para retirar toda o "bola de raízes" de uma vez só.
Então retirar a árvore do vaso, segurando-a pela base e puxando-a para cima. Nunca use nenhuma ferramenta como alavanca na borda do vaso, devido ao risco de quebra do mesmo.
Após retirar
2) Preparando o vaso
Se for utilizar o mesmo vaso o ideal é limpar e lavar somente com água corrente, principalmente os resíduos de solo. Se o transplante for para um novo vaso, execute as etapas seguintes antes de retirar a árvore do vaso velho.
Então é necessário prender as telas nos buracos de drenagem e preparar os arames para a ancoragem da planta no vaso.
3) Podando as raízes
Com o tempo as raízes formam uma bola e ocupam (quase) todo o espaço do vaso.
Então com o rastelo ou com o gancho puxe toda estas raízes do fundo e das laterias e com um tesoura afiada pode-as. Neste momento vem uma questão delicada: quanto podar? A resposta é simples: o quanto você se sentir confortável para podar. Esta é uma questão de experiência, só o tempo vai dar segurança no momento e na quantidade a ser podada. Se se sentir inseguro, limite-se a uma poda de 20% ou 30% e com o tempo vá aprendendo e descobrindo o quanto cada espécie tolera. Busque sempre podar as laterais e fundo e eliminar a maior parte do solo compactado.
Também se faz necessário cortar as raízes mais grossas e lignificadas, pois a sua função é sustentação e não absorção de nutrientes, ocupando assim espaço desnecessário no vaso.
O Velho substrato compactado pode aos poucos ser retirado em cada transplante até ser eliminado por completo. Caso a massa esteja muito compactada, pode ser prático usar um jato de água, eu não costumo usar, a não ser em casos de árvores que vêm de viveiros comerciais que costuma usar argila.
Após fazer a poda no fundo faz-se o mesmo procedimento nas laterais e parte superior do substrato
A parte superior do substrato requer uma atenção especial, retirando-se as ervas daninhas, o substrato velho e também ordenar as raízes superiores para manterem um sentido radial, sempre se distanciando do tronco.
Um exemplo de antes e depois da poda de raízes:
4) Transplantando
A penúltima etapa do processo é a de colocar a árvore no vaso e no novo substrato.
Inicia-se colocando uma camada de substrato no fundo do vaso. Alguns utilizam uma camada mais grossa de pedrisco no fundo, para auxiliar na drenagem, eu pessoalmente não uso porque aprendi que não era necessário e ninguém nunca me provou o contrário, além de que como vaso é em geral pequeno, acho que perde-se um volume importante do substrato.
Após isso vem uma das etapas mais importantes, que é colocar a árvore no vaso. Neste momento é preciso prestar atenção tanto no posicionamento vertical quanto horizontal. No posicionamento horizontal o topo do solo da árvore deve estar alinhado com a borda do vaso. A dica é que o substrato colocado no passo anterior esteja em volume e altura suficiente que ao colocar a árvore ele esteja mais alta que a borda do vaso e então, delicadamente, com movimentos horizontais, ir espalhando o substrato para as laterais e baixando a altura da árvore até o desejado. Já com relação ao posicionamento vertical, bem, aí é uma outra estória, que envolve conceitos, digamos, estéticos e fica para um outro post.
Com a árvore posicionada, a próxima etapa é amarrar a árvore ao vaso. Isto é uma etapa importante, pois a árvore precisa estar firmemente fixada para que não se mova com o vento, chuva, rega ou movimentação manual, pois as novas raízes que sairão - as quais são delicadas - podem se romper com facilidade.
Existem várias maneiras de passar o arame e amarrar e em outro post eu detalho, mas o importante é que o arame não fique a mostra, pois é esteticamente inadequado, ou melhor, é porque fica feio! Importante é sempre puxar o arame e então torcer, para que fique bem esticado e a árvore bem presa.
Agora é preciso completar o vaso com o substrato. Pegar um tanto de substrato e preencher os espaços vazios.
O importante no completar com o substrato é que não fique nenhum bolsão de ar sobre a árvore, todo o espaço deve ser preenchido apenas com o solo, para que fique firme. Para isso utiliza-se o hashi, para socar e empurrar o substrato para todos os espaços.
Para que todos os espaços seja ocupados pelo solo, pode ser interessante dar pequenos "socos" delicados nas laterais do vaso. Caso o substrato venha a baixar com intensidade é sinal de que não foi suficiente o trabalho com o hashi.
Com o vaso preenchido é ideal nivelar o solo, uma boa ferramenta é usar uma vassourinha.
Por último é fazer uma pequena e delicada pressão sobre o substrato, para que ele não seja levado na primeira rega. Pode ser feita com ferramenta ou com a mão (eu faço com a mão).
Isto concluído a árvore está transplantada, mas uma última etapa é importante.
5) Regando
Todo o conjunto deve ser regado abundantemente até que a água saia limpa pelo fundo do vaso, indicando que todas partículas mais leves e finas sejam levadas. importante regar com cuidado para não levar o substrato. Caso o subtrato venha abaixar depois da rega, completar para manter no nível do vaso.
Cuidados após transplante
O processo de transplante, conforme acompanhado acima, retira boa parte das raízes responsáveis pela absorção de água e nutrientes, assim, após o transplante alguns cuidados são necessários para garantir a saúde geral da planta. Se transplantada no tempo correto, os cuidados são mais simples, enquanto que em época diversa é necessário um acompanhamento mais atencioso.
Após o transplante o ideal é evitar colocar a planta diretamente em sol forte, pois a planta pode perder muita água com a transpiração através das folhas e pouca ou nenhuma captação pelas raízes. A mesma recomendação é para um local com ventos constantes. O ideal é deixar em um local com temperaturas amenas e semi-sombreado e longe do vento. Aqui no sul o início da primavera tem noites ainda frias, assim o ideal e mantê-las em uma estufa. Eu mantenho por aproximadamente 30 dias na estufa, pois mantém a umidade, protege do vento e o local fica parcialmente ensolarado. Conífera sempre devem pegar sol em parte do dia. De qualquer forma evite deixá-la apenas na sombra, a árvore precisa receber um pouco de sol e/ou luminosidade, pois precisa da fotossíntese para divisão celular, necessária para a recuperação das raízes.
Como há pouca absorção de água, as regas somente devem ser feitas quando o substrato estiver seco. Excesso de umidade pode provocar apodrecimento das raízes e surgimento de fungos. Também não julgo necessário borrifar as folhas, pois isso também pode provocar o surgimento de fungos, uma vez que a planta vai estar estressada devido ao transplante.
Alguns dizem ser necessário fazer uma poda ou desfolha parcial, para reduzir a transpiração de água, mas não o faço, pois acredito que uma planta sadia e protegida após o transplante vai perder pouca água e perderá as folhas que julgar necessária para a sua proteção e própria preservação.
A adubação só pode ser aplicada quando a planta estiver em plena atividade e crescimento, pois é preciso de raízes para que a planta possa se alimentar. A adubação precoce pode inclusive queimar as novas, finas e delicadas raízes. Eu costumo adubar apenas 30 a 45 dias após o transplante.